Saturday, May 12, 2007

O vereador falastrão

Diário Catarinense ; João Cavallazzi ; 13/5/2007



Vereador pelo quinto mandato consecutivo e apontado pela Polícia Federal (PF) como líder de um suposto esquema de venda de licenças ambientais para grandes empreendimentos em Florianópolis, Juarez Silveira é filho de uma família humilde que, durante décadas, morou no Morro do Geraldo, comunidade localizada na periferia da região continental da Capital.

Ali, entre partidas de futebol no campinho próximo ao Exército e festas no Clube Cinco de Novembro, Juarez começou a formar, graças a sua personalidade expansiva, um círculo de amizades que incluía pobres e ricos, sem distinção.

Único homem entre quatro irmãos, Juarez trabalhou como lavador de carros e vendedor. Mas não demorou para conseguir um emprego melhor, graças à influência do pai, falecido há dois anos, que era motorista da Assembléia Legislativa e muito bem relacionado na cidade.

Juarez teve seu primeiro emprego de carteira assinada no Banco do Estado de Santa Catarina (Besc), para onde foi levado pelo pai do amigo e colega de Câmara Guilherme da Silva Grillo (PP). Há dois anos, entrou no Plano de Demissão Incentivada (PDI), depois de quase 30 anos de serviço público.

- O Juarez tem um coração maravilhoso. É uma pessoa muito ligada à família, que faz tudo pelos sobrinhos e sempre muito leal aos amigos - define Grillo, que, em 2004, foi detido depois de ser acusado de ter instalado um "grampo" no apartamento de Juarez - o episódio, diz Grillo, está "superado", tanto no "campo pessoal quanto jurídico".

Outra característica, apontada por quase todas as pessoas que convivem com Juarez, é a incontrolável incontinência verbal. O advogado Antônio Chraim, procurador da Câmara da Capital e um dos garotos que jogavam futebol nas várzeas do Estreito com Juarez, conta, em tom de brincadeira, que "naquele tempo, ele já era uma gralha".

E foi o hábito de falar demais que o levou a ser detido pela primeira vez. O fato aconteceu em novembro passado, quando, sem saber que já era monitorado pela PF no âmbito da Operação Moeda Verde, foi ao Uruguai comprar roupas e bebidas acima da cota (leia a transcrição).

Tática da internação, desta vez, não colou

Da central de escutas da PF, os agentes ficaram sabendo pelo próprio Juarez seu itinerário - inclusive com hora. Aí foi só avisar os colegas da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que realizaram a prisão no posto de fiscalização de Palhoça.

Simulando um mal-estar, Juarez foi levado para uma clínica na Avenida Trompowsky, um dos endereços mais caros de Florianópolis, próximo à Beira-Mar Norte, onde o ex-menino pobre do Estreito possui um apartamento.

Internado, novamente foi traído pela língua. Em conversas monitoradas, se gabava da "tática" que o livrou da carceragem. Resultado: quando decretou a prisão dos 22 suspeitos de negociar licenças ambientais, o juiz Zenildo Bodnar deixou expresso no despacho que, caso Juarez passasse mal, deveria ser atendido apenas por um médico da PF.

Não deu outra. Preso em casa na manhã do dia 3, passou mal e tentou voltar para a mesma clínica (cujo dono também foi detido), mas foi proibido. A Justiça ofereceu dois hospitais públicos para a internação, mas Juju, como é conhecido pelos mais íntimos, preferiu a carceragem da PF, onde permanecia até a noite de sexta-feira em uma cela.

Diálogos comprometedores
Diálogos gravado pela PF com autorização judicial (*)
Dia 8 de novembro de 2006, às 21h04min. Juarez Silveira está retornando da cidade de Rivera, no Uruguai, onde comprou roupas e bebidas acima da cota permitida para importação, o que caracteriza crime de contrabando. Ele liga para um amigo - funcionário comissionado do governo do Estado - assim que chega à capital gaúcha, última escala da viagem antes do vereador chegar a Florianópolis:
Juarez - Já estou em Porto Alegre, viu?
Amigo - Ô bicho bão. Passasse lá (na aduana) com tudo?
Juarez - Passei com tudo! A caminhonete veio que veio o bicho! Tem umas 15 caixas (de bebidas).
Amigo - Tu chegas amanhã que horas?
Juarez - Agora estou em Porto Alegre, guardei o carro no hotel para ninguém me roubar, né. Vou sair daqui perto do meio-dia, eu chego aí (em Florianópolis) no finalzinho de tarde. (...)
Juarez - Agora já montei um esquema. Tem um rapaz que trabalha no hotel que vem toda a semana pra aí (Capital). O rapaz compra lá em Rivera e a gente acerta quando ele chega. Ele entrega tudo aí no Kobrasol, mas passei com tudo lá (na fronteira).
No dia seguinte, às 18h58min, logo depois de ser preso pela Polícia Rodoviária Federal em Palhoça, na Grande Florianópolis, Juarez liga para um médico.
Juarez - Eu tô precisando de um médico. Eu tenho de ir ao SOS Cardio, eu vim de Rivera agora e trouxe muito uísque, muito vinho de coleção.
Médico - Como é que é?
Juarez - Eu trouxe muito vinho de coleção.
Médico - Vinho de coleção?
Juarez - Vinho, vinho, vinho!
Médico - Quem que tomou?
Juarez - Não, eu trouxe vinho de coleção e a polícia me prendeu aqui em Palhoça e tá me levando pra Polícia Federal. Só que a minha pressão subiu. Eu tô precisando que alguém me atenda lá e me deixa lá, porque se não eles podem me dar ordem de prisão!
Médico - Ah, entendi!
Às 15h38min do dia 10, já "detido" na clínica, Juarez faz outro telefonema, desta vez para um alto funcionário da prefeitura, e brinca:

- Eu dei uma de doido, né, doutor! Minha pressão tá alta, minha pressão tá alta, tô com arritmia, e... pra não ir preso, né? Por que os meus dois sobrinhos, eles não iam prender, mas eu eles iam prender. Pra eles era um prato cheio. Aí o que é que eu fiz: eu vim pro SOS Cardio, cheguei aqui, peguei uma suíte dessas da UTI e tô deitado aqui, né?
Às 21h28min, Juarez volta a telefonar para o médico dizendo que o juiz já arbitrou a fiança (R$ 14 mil em dinheiro) e que já poderia ser liberado. O vereador insiste que quer deixar a clínica "ali pela uma hora da manhã", com o objetivo de despistar a imprensa, mas o médico, que precisa assinar a alta, se mostra relutante:
Médico - Pra eu te liberar agora, medicamente é complicado! Sabe, Juarez? Porque... eu tive vendo junto ao CRM (Conselho Regional de Medicina). Porque eu vou ser questionado por que eu não te liberei às 9h, 10h e tô te liberando esse horário. Aí eu vou ter de explicar isso perante a Justiça!
Juarez argumenta, então, que "amanhã cedo 'a rádio CBN Diário' estará lá, ao que o médico reafirma:
Médico - É, mas eu tenho de te liberar amanhã. Eu não tenho como te liberar hoje!
Juarez pergunta ao médico se não é possível ele ser liberado pelas 4h da manhã.
O médico diz que só "amanhã cedo" e que não pode ser agora, se não seria um "problema ético complicado" para ele, mas que pode ser às 7h.
(*) As palavras entre parênteses foram incluídas pela reportagem para melhor compreensão da conversa.
Fonte: Autos da Operação Moeda Verde.

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